30 agosto 2012

Eliane Brum e Santiago Nazarian no projeto "Autores e Ideias"


No dia 23/08/12, estiveram presentes no Sesc Paço da Liberdade em Curitiba-PR, os escritores Eliane Brum e Santiago Nazariam.

Com a mediação da professora e escritora Luci Collin, os autores discutiram sobre assuntos relacionados ao tema: "A nova geração de leitores adolescentes". 



1)       Como foi a formação de vocês como leitores?

Para Eliane, sua formação como leitora surgiu através da morte. Ela nasceu em uma casa enlutada. Sua irmã havia morrido antes dela nascer e sua mãe estava inconsolada. Dessa forma, sua mãe sempre a levava ao cemitério para chorar pela irmã e seu pai, por sua vez, também a levava ao cemitério, mas por outro motivo: por gratidão, ele sempre levava flores para sua primeira professora dizendo que ela havia “dado a luz para ele”, já que o havia alfabetizado. Entre esses dois cemitérios, Eliane escolheu o da professora e descobriu que a vida só tem sentido nas letras, na palavra escrita. Assim, ela escolheu a escrita como vida.
Para ela, a grande questão é: o que dá sentido a vida? A narrativa é o que dá sentido a sua vida, a palavra escrita é uma possibilidade de viver.

Seus pais eram leitores e ela tinha uma biblioteca em casa onde lia Monteiro Lobato e Érico Veríssimo.
Eliane acredita que não exista literatura “juvenil”, para ela a literatura é livre. Ela sempre leu livros de adultos, tanto que aos 10 anos lia José de Alencar por curiosidade de saber o que era sexo.

Santiago também teve pais leitores e por isso tinha acesso aos livros dentro de casa. Na adolescência, gostava de filmes e livros de terror. Foi uma namorada sua que lhe apresentou escritores como Caio Fernando Abreu, Alberto Muralha e Oscar Wilde.

2)      Como vocês vêem o momento da literatura brasileira dentro da explosão de vendas de Best Sellers direcionados para o público juvenil como Harry Potter e Crepúsculo?

Eliane adora Harry Potter e afirma que tem até mesmo um boneco do personagem. Tinha até mesmo um ritual para ler o livro: nos fins de semana sentava no sofá com uma lata de leite condensado e depois que começava a ler se sentia no mundo perfeito. Ela também gosta de Crepúsculo e Senhor dos Anéis.
Ela reafirma o que disse na fala anterior, de que a literatura é um caminho de liberdade e que a mesma pessoa pode ler tanto Crepúsculo quanto Dostoiévski.
Eliane acha maravilhoso que os adolescentes estejam lendo pois cada um fará o seu caminho na leitura e não importa por onde comece, tudo é válido.

Santiago, por outro lado, não gosta de Harry Potter e Crepúsculo. Ele diz que sente estar perdendo tempo ao ler um livro ruim, ou seja, de onde não se pode tirar nada. Ele é autor de um livro juvenil, mas considera que a literatura juvenil e a “alta” literatura são coisas diferentes. Para ele, a literatura juvenil tem preocupações diferentes da alta literatura, como por exemplo: ser um lazer, um divertimento para o leitor e nele causar sensações de medo e alegria, mas nada além disso. Santiago vê essa literatura de entretenimento como um começo que pode levar o leitor a outros livros mais profundos. Para ele, hoje em dia tem muita gente lendo e isso é bom porque antigamente ler era considerado uma coisa chata.

3) Como é o processo de escrita de vocês? Pensam no leitor quando escrevem? O mercado impõe algumas regras ou restrições?

Santiago afirma que pensa sim no leitor. Pensa no que quer apresentar a ele, na mensagem que quer passar. Seu livro “Garotos Malditos” foi baseado no que ele gostava quando era adolescente e nos filmes que ele assistia quando tinha essa idade. Pelo fato do leitor já estar distante dele em idade, ele achou muito difícil escrever esse livro. Esse livro surgiu após ele ter ganhado uma bolsa de criação literária pela Petrobrás em 2011 e ele gostou tanto do seu personagem, que gostaria de ter um filho como ele.
Santiago gosta de mudar, inovar. Tem 5 romances, 1 livro de contos e 1 livro infanto-juvenil. Para ele é um desafio como escritor fazer coisas diferentes.

Eliane diz não pensar no leitor. Para ela, assim como a leitura, a escrita também é um espaço de liberdade. Seu primeiro romance “Uma, Duas” surgiu a partir de uma experiência sua de uma série de reportagens falando sobre a morte. Depois de fazer tantas reportagens sobre o tema, ela decidiu fazer um confronto entre morte x vida. Percebendo que algumas realidades a reportagem não suportaria, somente a ficção, resolveu fazer o livro. Esse tema a incomodava, a deixava inquieta e ela precisava expressar isso para ficar bem.
Eliane também diz que gosta de filmes e literatura de terror, mas a coisa mais aterrorizante é ser possuído por si mesmo, pelas suas vozes internas e ela se deixou possuir para escrever o romance.

4)    O que acham sobre esse anacronismo da literatura estar trazendo temas ancestrais (como vampiros e lobisomens) num mundo de internet? A literatura juvenil tem que ser didática? É importante o escritor ser politicamente correto? Há um certo moralismo?

Para Santiago, temas como vampiros e lobisomens são meramente mercadológicos. Ele acha que a literatura deve provocar e não ser muito certinha. Gosta de criar anti-heróis para gerar debate. Nos seus livros ele procura não ir pelo óbvio ou politicamente correto justamente para provocar o leitor. Adolescentes estão no mundo real e falam palavrão, vêem coisas proibidas na internet e deixar isso de fora dos livros acaba parecendo falso.

Para Eliane, as questões ancestrais são atemporais e fazem parte do imaginário humano da mesma forma que os contos de fada também nos ajudam a superar nossos problemas (odiar a madrasta má, se identificar com o protagonista órfão, etc). Eliane diz que é pacífica hoje em dia porque na infância teve a oportunidade de matar e morrer muitas vezes nos livros.
Para ela, controlar a literatura, proibir livros com sexo e violência na escola é muito sério porque isso faz parte da vida real dos alunos.

5)      O que eles acham das novas mídias sociais? Participam, tem contato com os leitores?

Eliane acha maravilhoso os livros que fazem sucesso primeiro na internet e depois acabam sendo publicados.
Santiago também. Ele acha que os jovens lêem e escrevem mais do que antes graças à internet. Ele tem blog, facebook e twitter e adora usá-los.



6)      A juventude de hoje é sem causa?

Santiago acha que não e dá o exemplo de sua cidade, São Paulo, onde acontecem diversas manifestações como a Marcha das Vadias e protestos contra a usina de Belo Monte.
Eliane concorda e vai além. Para ela, a adolescência não acaba, os adultos querem ser eternos adolescentes, pois tudo que é bom ficou nessa etapa da vida.

7)      O mercado editorial dá espaço para a literatura engajada? A literatura está deixando de lado temas políticos?

Santiago diz que sempre haverá espaço para a boa literatura e que há sim grandes causas sendo discutidas, talvez de forma mais subjetiva, mas há sim.
Eliane não acha que a literatura precise ter uma causa, mas que uma grande demonstração de que isso existe é a chamada literatura de periferia. Para ela também existe espaço para a literatura engajada, principalmente através da internet.

8)      Uma pergunta específica para Eliane: qual foi a grande motivação para a série de reportagens sobre a morte? Isso a transformou?

A questão da morte sempre existiu para ela e no ano de 2008 ela começou a série de reportagens que durou 2 anos (finalizando em 2010). Isso a transformou sim, mudou sua vida, principalmente uma frase que ela ouviu de uma senhora com câncer de quem ela acompanhou os últimos 115 dias de vida: “Quando eu tive tempo, descobri que meu tempo havia acabado.”
A partir disso, ela mudou sua vida, reorganizou seu tempo e até largou o trabalho depois disso. Ela falava com a mulher pelo telefone todo dia por pelo menos uma hora e pessoalmente uma vez por semana. O fim da reportagem era o fim da vida da mulher.
Para Eliane, vive-se melhor quando se percebe que falar da morte é falar da vida. A morte dá sentido a vida e enquanto falar de morte é vida, calar-se é morbidade.

9)      A ficção é uma chance de lidar com aquilo que nos incomoda?    

Para Eliane sim. A palavra escrita é sempre uma busca, uma impossibilidade, porque é impossível dar conta da vida. Ela escreveu pela primeira vez aos 9 anos e a literatura se tornou sua vida.

10)   Vocês gostariam que seus livros fossem adaptados para o cinema?

Eliane adoraria, mas ainda não tem nenhuma proposta.
Santiago diz que seu livro “Feriado de mim mesmo” já foi adaptado para o teatro e vai ser adaptado para o cinema também. Para ele existem dois lados: o receio de saber que sua obra vai ser adaptada pela visão de outra pessoa, mas também é interessante saber como os outros enxergam a sua obra. Quando ele viu a peça adaptada de sua obra, achou muito melhor do que ele poderia ter feito se tivesse escrito o roteiro.

11)   Como aproximar o jovem do jornalismo e da leitura em geral?

Eliane conta que não lia jornal na adolescência, não via vida ali. Hoje em dia ela se informa tanto pelo jornal quanto pelo twitter e acha que a leitura mudou, hoje em dia as mídias (como jornal e twitter) são complementares.

12)   O que vocês tem lido hoje?

Santiago está lendo Adrienne Myrtes, Ana Paula Maia e André Vianco. Ele lê muito a trabalho.
Eliane raramente lê a trabalho e ultimamente está lendo Noites Azuis de Adriana Falcão e está relendo as obras de Machado de Assis. Ela lê de tudo, conforme a necessidade do momento.

13)   Quais seus projetos futuros?

Eliane está começando um documentário e um livro novo.
Santiago está escrevendo um novo romance adulto previsto para 2014 e lançando o infanto-juvenil “Garotos Malditos”.